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Outros casais também alcançaram a liberdade no mesmo momento. Entre estes estão Simão e Antonia, casados, do domínio de Manoel Lopes da Silva; e José, de cor preta, casado com Maria; estes últimos do domínio de José Caetano Ferreira. Nestes exemplos, os cônjuges pertenciam ao mesmo senhor, o que segundo alguns historiadores, facilitava a união, pois muitos senhores intervinham na escolha de seus escravos e ainda proibiam o casamento com cativos de outro domínio
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A realidade de Conceição do Coité em finais do século XIX revela algumas particularidades, como por exemplo, o casamento entre escravos de domínios diferentes. Foram encontrados nos documentos 04 casais que viviam nesta condição. O primeiro formado por José, de cor preta, do domínio de Tito Ferreira da Silva e Maria do domínio de José Caetano Ferreira. Os dois senhores registraram uma única procuração para que o casal fosse apresentado à Junta de Classificação e, posteriormente, libertado. Outro casal nesta condição foi Severino, escravo de José Gonçalves Pereira, casado com Ana Agostinha, escrava de Manoel Gonçalves Gordiano.
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Infelizmente, as fontes consultadas não trouxeram maiores informações sobre estes escravos casados, mas mesmo com tais limitações, foi possível, através do cruzamento das fontes, reconstituir uma família formada por cônjuges e filhos. O primeiro indício desta família foi encontrado numa escritura de doação registrada em 1877, na qual os senhores Capitão Manoel Mâncio Lopes e sua mulher D. Phillipa Maria de Jesus fizeram uma doação a seu genro Victoriano Antonio Oliveira de uma escrava de nome Joanna, de cor fula, juntamente com duas crias livres, uma de nome Raimundo e outra chamada de Gabriela que, pelas datas tinha apenas dois meses de vida. Até aqui temos um tipo de família comum entre os cativos, formada apenas por mães e filhos. Seguindo nossa trajetória, encontramos uma escritura de doação passada em 1882, ou seja, cinco anos após a doação de Joanna, eles fazem uma nova benevolência à sua filha. Desta vez, foi doado um escravo de nome Miguel, 34 anos, cor fula e casado. Na dita escritura os senhores fizeram o seguinte discurso:
[...] que o haverão por herança e [...] pelo finado João da Cunha e Araujo; cujo escravo foi por ele matriculado em dacta de treze de janeiro de mil oitocentos e setenta e trez, sob os números sete mil duzentos e setenta e cinco da matrícula geral do município e cinco da relação apresentada [...] e como o dito escravo é casado com Joanna escrava da sua filha Maria Lopes; doada pelos acima ditos, e o te o presente eles doadores possuem livre e sem nenhum embaraço e por conhecerem que desta forma, os tem separado, e vendo também a necessidade que tem seu genro Victoriano Antonio de Oliveira de um escravo que o ajude no trabalho da lavoura; passão eles doadores[...]
Assim, reconstituímos uma família formada pelos cônjuges e por dois filhos, que provavelmente eram de Miguel, já que a maior possibilidade de convivência foi o período em que eles estiveram juntos na fazenda do capitão Manoel Lopes da Silva, que declarou ter tomado posse do escravo em 1875, dois anos antes da doação de Joanna. Portanto, há grandes chances dele ser o pai das crianças. Contudo, a história desta família ainda teve um novo capítulo, pois o casal de doadores permaneceu com um escravo de nome Salvador, 13 anos, cor preta e filho de sua ex-escrava Joanna. O nome de Salvador surgiu numa escritura de doação feita pelos seus senhores ao Professor Florentino Pinto da Silva em nome de sua esposa que possuía o sobrenome igual ao do doador, o que evidencia uma relação de parentesco próxima. A escritura é datada de1884, cerca de dois anos após a doação de Miguel e 07 anos após a doação de sua mãe.
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Outro aspecto que merece atenção é a separação de Salvador de sua mãe Joanna, com apenas 06 anos de idade. Ao considerar as datas presentes nas escrituras, Salvador nasceu provavelmente entre 1870 e 1871; portanto, pode não ter sido beneficiado pela Lei do Ventre Livre, mas é apenas uma hipótese, pois nem sempre a idade apontada pelos senhores era a real, e sim muitas vezes, uma estimativa.
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Bem, como não foi possível identificar a paternidade de Miguel com relação a Salvador, pode até ser que ele fosse filho de ambos os cônjuges e, portanto, quando a mãe foi doada ele poderia ter permanecido na companhia apenas do pai. Todavia, é possível que sua proprietária tenha esperado Salvador completar onze para doze anos para fazer a doação de Miguel, o suposto pai e assim, fugir das restrições da lei. Não é nossa intenção transformar D Phillipa em uma “pessoa ruim”, mas suas ações parecem ter sido bem calculadas para não ter que doar Salvador junto com sua família e assim teve a oportunidade de doá-lo depois, porém, os motivos desta doação ainda são desconhecidos.
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Fonte: Vestígios no tempo: escravidão e liberdade em Conceição do Coité-BA (1869-1888) - Edimária Lima Oliveira Souza
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