Esse blog é sobre a história da minha família, o meu objetivo é desvendar as origens dela através de um levantamento sistemático dos meus antepassados, locais onde nasceram e viveram e seus relacionamentos inter-familiares. Até agora sei que pertenço as seguintes famílias (nomes que por vezes são escritos de forma diferente): Ramos, Oliveira, Gordiano, Cedraz, Cunha, Carvalho, Araújo, Nunes, Almeida, Gonçalves, Senna, Sena, Sousa, Pinto, Silva, Carneiro, Ferreira, Santos, Lima, Correia, Mascarenhas, Pereira, Rodrigues, Calixto, Maya, Motta…


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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DO COITÉ: PODER E POLÍTICA NO SÉCULO XIX – Capítulo 2

 

Autora: Iara Nancy Araújo Rios

CAPITULO II

Política e Poder na Freguesia do Coité

O estudo do poder e da política, durante muito tempo, foi visto a partir das heranças dachamada “História Rankeana”, sendo a dimensão política admitida essencialmente a partir e através do Estado, realizando apenas uma história militar ou diplomática, centrando-se nas batalhas, nas guerras e negociações envolvendo os diferentes Estados, numa perspectiva dehistória positivista. Para Peter Burke, este foi o primeiro conjunto de características da história “tradicional”.

É a partir da década de 1920 que se dá o início de uma crítica mais sistematizada a esta história "tradicional", que se realizou através de duas vertentes principais. A primeira seria constituída a partir dos anos 20, na França, pela crítica dos Annales, principalmente por Lucien Febvre e March Bloch. A história deslocava seu foco fundamental de análise para aspectos relativos à atividade humana em seu sentido mais pleno, passando por um processo de reconstrução de seu objeto de estudo, constituído o estudo dos processos relativos à figura e à ação humana.

A segunda crítica à produção historio gráfica do século XIX foi definida pela historiografia marxista. O econômico surgia então como o elemento delimitador e determinante das relações de produção, categoria fundamental para a análise e compreensão das relações entre os homens no interior da sociedade.

Porém a crítica à História Política, em termos mais amplos, viria a partir da década de 1970, caracterizada por um novo modo de fazer história inaugurado por Michael Foucault. Alguns estudiosos como Paul Veyne e Roger Chartier, Jacques Revel, Patrícia O’Brien, Jean Baudrillard, entre outros, têm se dedicado na análise do impacto e influência de Foucault na historiografia como um todo.

Entre os estudiosos que analisaram a influência de Foucault na historiografia brasileira, destaca-se Margareth Rago em artigo sobre o “efeito Foucault” na historiografia brasileira ela argumenta:

De qualquer maneira, de um lado ou de outro, os historiadores não puderam passar incólumes ao ‘furacão Foucault’ e, assim como até mesmo os anti-marxistas tiveram em algum momento de suas vidas incorporar conceitoscomo classes sociais, infra-estrutura sócio-econômica e relações sociais de produção, os historiadores anti-foucaultianos não puderam prescindis dasnoções de discurso, poder disciplinar, genealogia e sobretudo dacontundente crítica a idéia da transparência da linguagem.

O poder não existe, para Foucault, enquanto uma coisa ou algo que se dá ou que setoma, mas apenas através das relações entre os corpos, entre o micro-poderes que sedifundiria no interior do corpo social. O Estado não seria mais considerado o único órgãodetentor ‘do poder’ e, conseqüentemente, dos aparelhos opressores. O poder, considerado enquanto uma estratégia ultrapassa e supera a idéia de centro regulador e retira do Estado a capacidade de condenar e oprimir.

Os grandes pontos de convergência entre Michael Foucault e a História Política é a descaracterização e minimização do papel do Estado na sociedade disciplinar e a falta derelação entre este Estado “em migalhas” e o papel centralizado/centralizador do Estado que fundamentou, e ainda fundamenta, estudos de poder e do político na História Política.

Com relação às hierarquias, Michael Foucault argumenta que

O ápice e os elementos inferiores da hierarquia estão em uma relação de apoio e de condicionamento recíprocos, eles se ‘sustentam’(...) estas táticas foram inventadas, organizadas a partir de condições locais e de urgências particulares. Eles se delinearam por partes antes que uma estratégia declasse as solidificasse em amplos conjuntos coerentes.

Considerando as relações de poder nas esferas sociais, é que pretendemos, então, demonstrar algumas relações de poder constituídas na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, analisando ‘o poder’ enquanto uma relação de forças que envolvem todos os indivíduos de uma determinada sociedade, privilegiando alguns elementos que demonstram os jogos de força, as lutas constantes na esfera local.

A propriedade de terras e escravos, o sistema eleitoral, o comércio, os cargos administrativos e a Guarda Nacional foram analisados enquanto células de poder, desempenhando determinados papéis e constituindo dispositivos de poder, porém articulados entre si e entre as decisões e organizações do Estado, visto também enquanto uma das agências de poderio político na sociedade da segunda metade do século XIX.

2.1 Institucionalização do poder: mandonismo local

O poder local pode ser caracterizado pela política que se realiza através de favores pessoais concedidos por um grupo dominante à comunidade local, sendo ainda permeado pelas relações de compadrio e de amizade que aproximam e prendem as pessoas. Segundo Vitor Nunes Leal estas relações implicam uma série de arranjos e compromissos que podemser assim listados:

[...]arranjar emprego; emprestar dinheiro; avaliar títulos; obter crédito em casas comerciais; contratar advogado; influenciar jurados; estimular e ‘preparar’ testemunhas; providenciar médico ou hospitalização nas situações mais urgentes; ceder animais para viagens; conseguir passes na estrada de ferro; dar pousada e refeição; impedir que a polícia tome as armas de seus protegidos, ou lograr que as restitua; batizar filho ou apadrinhar casamento; redigir cartas, recibos e contratos, ou mandar que ofilho, o caixeiro, o guarda-livros, o administrador ou o advogado o façam; receber correspondência; colaborar na legalização de terras; compor desavenças; forçar casamento em casos de descaminho de menores, enfim uma infinidade de préstimos de ordem pessoal, que dependem dele ou de seus serviçais, agregados, amigos ou chefes.

No sentido de melhor compreender algumas das esferas através das quais as relaçõesde poder se desenvolveram na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, foram selecionados seis elementos: a propriedade agrícola, a escravidão, a guarda nacional, o comércio, o sistema eleitoral e os cargos administrativos.

2.1.1 A terra e a legitimação de poder

A grande propriedade rural é um tema bastante discutido na Historiografia Brasileira, principalmente relacionado com a História Econômica e com a História Agrária, inclusive porque esta é uma questão que intriga os estudiosos da História do Brasil e sua configuração fundiária, considerando-se que os problemas da terra ainda se apresentam como os de maior necessidade de resolução na busca pelo desenvolvimento do país.

Várias questões referentes à História Agrária enquanto campo de pesquisa foram levantadas por Maria Yedda Linhares, destacando a importância das novas abordagens relacionadas ao plano da História Regional, enfatizando três elementos de estudo: a terra – o meio ambiente natural; os homens – a população que ocupa e que age sobre a terra; e as técnicas – a forma e os meios utilizados pelas pessoas para atuarem na terra em que ocupam. Estes elementos variam de acordo com as condições socialmente determinadas e com períodos históricos e regiões específicas.

O século XIX se caracteriza por transformações econômicas, políticas e sociais. Além do processo de independência do Brasil e a conseqüente organização do Estado nacional, a historiografia demonstra um intenso processo de modificação das relações de trabalho a partir de 1850, data em que se consolida a Lei Eusébio de Queiroz (Ver Anexo I), abolindo o tráfico de escravos africanos. O ano de 1850 foi marcado por um conjunto de transformações como reformas políticas e econômicas referentes a Guarda Nacional, ao processo eleitoral e o estabelecimento da resolução que determinou a aquisição da propriedade pelo reconhecimento da posse da terra, através da Lei de Terras (Ver Anexo II), de 18 desetembro, que determinava o acesso a terra apenas pela compra e/ou aforamento.

A Resolução de 17 de julho de 1822, que anulou o regime das sesmarias, permitiu alegitimação de propriedades de muitos posseiros sem títulos, caracterizando o período compreendido entre 1822 e 1850 como a fase áurea do posseiro, terminologia largamente utilizada pela historiografia, por considerar que a posse tornou-se a forma mais freqüente de aquisição de domínio sobre as terras.

A anulação do sistema de sesmarias confunde-se com o processo de emancipação da colônia como argumenta Lígia Osório Silva:

a suspensão do regime de concessão de sesmarias quase que simultaneamente à declaração da independência, não pode ser vista como uma coincidência. As contradições entre o senhoriato rural da colônia e a metrópole em torno da questão da apropriação territorial contribuíram significativamente, também para a ruptura definitiva dos vínculos coloniais.

Ligia Osório Silva ressalta, ainda, que a independência alimentou a predominância do latifúndio e que apenas quando as transformações na escravidão começaram a acontecer ocorreram mudanças no Estado Imperial, entre elas a proposta através da Lei de Terras em 1850. Esta lei, porém, não viria solucionar os problemas da grande propriedade, mas “tornou-se um instrumento de legalização de novos latifúndios”, dificultando o desenvolvimento das pequenas propriedades através de lacunas da própria lei que facilitava o seu não cumprimento.

Vera Lúcia Amaral Ferlini chama a atenção para o fato de que a colonização não impediu a formação da pequena propriedade, mas o seu desvinculamento da dinâmica implantada pela exportação, cultivando ainda que de maneira indireta, produtos para abastecer o mercado externo e, ao mesmo tempo, assegurando o acesso restrito a terra. A autora atenta para as barganhas e o jogo de poder nos quais estavam inseridos senhores deengenho, donos de grandes propriedades, os lavradores de cana, donos de pequenas propriedades e, ainda, grupos intermediários despercebidos pela polarização senhor/escravo.

Entre 1855 e 1858, em cumprimento da Lei de Terras de 1850, as terras da Freguesiado Coité foram declaradas no livro de Registros Eclesiásticos da Freguesia sendo finalizada em 1858. O registro contém oitenta e nove declarações com um total de oitenta e quatro proprietários, porém é facilmente percebível que ocorreu negligência no cumprimento da Lei, o se pode confirmar por ser a quantidade de proprietários bem maior, cerca de noventa e duas pessoas deixaram de prestar a declaração, todavia aparecem na comunhão das fazendas declaradas.

Este é o caso, por exemplo, de João Gonçalves de Macedo, não declarante, mas queem sete registros aparece como possuidor de fazendas como Matto Grosso e Valente. Nestamesma situação estão, entre outros, José da Costa Ferreira, que em cinco registros contacomo dono de terras na fazenda Salgada, José de Souza dono da fazenda Bom Sucesso relatado em quatro registros, Manoel José da Cunha como as fazendas Paulista, na Queimada do Curral e fazenda Berimbao, em seis registros, José Paolino de Oliveira, sendo citado em cinco registros como possuidor das fazendas Sacco do Marco e Vargem Grande e o Capitão José Carneiro da Silva, dono da fazenda Serra Vermelha, em cinco registros.

As tabelas seguintes apresentam algumas características das declarações

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A Tabela I demonstra que na maioria das declarações a propriedade das terras foi assegurada através da compra ou da herança, muitas vezes até indicando o antigo proprietário.

Podemos perceber através da Tabela II que há um predomínio de proprietários com apenas uma ou duas propriedades declaradas, porém, através da análise das próprias declarações pode-se constatar que algumas pessoas que declararam apenas uma propriedade eram donos também de outras.

As descrições das fazendas demonstram claramente a inoperância da Lei de Terras nas próprias declarações, seja pelo silenciamento da origem da propriedade ou de outras informações, como pela delimitação imprecisa, talvez a fim de burlar a legislação e fugir dos impostos territoriais estabelecidos pós-independência. A data limite para legalização das terras foi o ano de 1854, ficando a cargo dos párocos a responsabilidade de fazer os registros e enviar os livros ao governo central, vigorando até os primeiros anos republicanos.

Quanto a delimitação, a descrição abaixo serve enquanto exemplo preciso:

Aos dez dias do mez de Março de mil oitocentos e cincoenta e oito naFreguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité o Padre Severo CuimAtuá em cumprimento à Lei, e Regularmento para o registro das terras deoà registro as do seo possessorio pela maneira seguinte:O Padre Severo Cuim Atuá vai dar a registro uma fazenda de terras própriasdenominada Santa Luzia sita na Freguesia de Nossa Senhora da Conceiçãodo Coité, que possue em comum com outros donos que houve por compra aJoão Lopes Guimaraens; e sua mulher, que extrema com a fazenda do Umbuzeiro na Lagoa de Manoel Luiz, e com as mais hareas confinantes, onde direito for. Fazenda de Santa Luzia nove de Março de mil oitocentos e cincoenta e oito. Assignado o Padre Severo Cuim Atuá. O Vigário Francisco Furtado de Mendonça. (Grifos nossos)

Esta declaração não foi um caso isolado que demonstrou ausência de de limitação, outras registram apenas o dono e o nome da fazenda usando, muitas vezes, elementos da natureza enquanto fronteiras.

Lígia Osório Silva demonstra que a Lei de Terras de 1850 foi mais um dos instrumentos para conciliar interesses de vários grupos sociais. Segundo a autora,

a lei foi elaborada como parte de um projeto global para a sociedade – a estratégia Saquarema de transição para o trabalho livre – mas a sua aplicação à sociedade foi o resultado de um processo no qual as diferentes camadas sociais interessadas entraram em conflito e encontraram os meios para acomodar o ordenamento jurídico aos seus interesses.

Márcia Motta no seu trabalho sobre os conflitos vivenciados pela posse da terra no Brasil do século XIX aponta para a personificação do poder privado exercido pelos senhores de terras. Segundo a autora,

o fato dos fazendeiros se autodenominarem senhores e possuidores de terras significava que eles tinham o domínio sobre a terra e sobre os homens que ali habitavam” e que “as fronteiras das fazendas dependiam do poder do fazendeiro, e nada tinham a ver com delimitações físicas precisas e inquestionáveis.

O jogo de interesses entrava, muitas vezes, em colisão, causando choques tanto entre os próprios proprietários, quanto entre proprietários e não-proprietários. Segundo Ana MariaOliveira,

os conflitos em torno da propriedade agrária foram freqüentes e, posteriormente, manobrados pelas práticas do coronelismo. Diante dasrestrições estabelecidas pela Lei de Terras para a ocupação das terras devolutas, prevaleceram os artifícios e a sagacidade dos interessados em obter e/ou ampliar os seus domínios agrários.

Lígia Osório Silva estabelece um paralelo entre a propriedade agrícola e a mão-de-obra cativa, demonstrando que “a necessidade de uma mudança na atitude do Estado Imperial em relação à propriedade da terra [que] somente impôs quando a escravidão começou a ser seriamente ameaçada”. Trabalhando neste mesmo sentido de associação entre a terra e a escravidão, José de Souza Martins defende que “durante a crise do trabalho servil, o objeto da renda capitalizada passa do escravo para a terra, do predomínio num para o outro”, argumentando que “num regime de terras livres, o trabalho tinha que ser cativado; num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativada”. 

Não apenas a terra simbolizava poder, mas também a posse da mão-de-obra escrava, constituindo os elementos primordiais que moldavam e manipulavam comportamentos na esfera pública e privada da sociedade, construindo e reproduzindo relações de dominação.

2.1.2 Os donos dos outros: a escravidão

A organização e reordenação do trabalho no Brasil do século XIX projetava algumas mudanças no perfil da sociedade brasileira, o “controle” sobre a unidade de produção permitia, entretanto, um domínio relativo sobre a mão-de-obra. Enquanto objeto de estudo, a escravidão tem sido analisada sob vários aspectos, dentre eles o da polaridade “recôncavonegro escravista X sertão branco e de trabalho livre”. Esta polaridade permitiu a construção de modelos explicativos entre os quais eles encontram-se os estudos de Gilberto Freyre que explica a formação social do Brasil a partir de dois segmentos sociais: o senhor e o escravo, localizados especificamente nas regiões de exploração de cana-de-açúcar.

Quanto a escravidão no sertão da Bahia, são poucos os estudos que foram realizados, podemos citar a dissertação Escravos, Quilombolas ou Meeiros? Escravidão e Cultura Políticano Médio São Francisco (1830-1888) de Ricardo Moreno Pinho defendida recentemente no Mestrado em História na Universidade Federal da Bahia, e os trabalhos desenvolvidos por Erivaldo Fagundes Neves rompendo a dicotomia recôncavo X sertão e explorando universos no interior baiano que não estavam imunes ao trabalho escravo. Através dos trabalhos de Erivaldo Fagundes Neves podemos perceber que a escravidão se fez presente no sertão da Bahia, servindo também enquanto elemento e símbolo de poder local, deixando suas marcas, conflitos e resistências como em qualquer outra sociedade do recôncavo.

Reafirmando a intensidade e ampliando o universo da escravidão no Brasil, João José Reis e Flavio Gomes asseguram que a escravidão penetrou cada um dos aspectos da vida brasileira e que onde houve escravidão houve resistência. E de vários tipos. 

Na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité não foi possível identificarmos a quantidade exata dos escravos em cada fazenda, porém através do cruzamento de várias fontes - como cartas de alforria, notas de compra e venda e hipotecas de escravos – foi realizado um levantamento da quantidade de escravos por proprietário. É o que demonstra a tabela seguinte:

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Percebemos que havia predominância de pequenos plantéis de trabalhadores escravos desenvolvendo atividades em pequenas unidades territoriais. Nestas unidades territoriais havia um grupo específico, local que seria o responsável pela reiteração do sistema escravista, recriando estratégias de dominação e mantendo o controle tanto da mão-de-obra escrava, quanto das novas formas de relacionamentos que foram se estruturando ao longo da segunda metade do século XIX.

Ressaltamos que o pequeno número de escravos pode levar-nos a perceber o desenvolvimento da mão-de-obra familiar na região, sendo uma área de pequenos proprietários de temas, os trabalhos desenvolvidos poderiam contar com a participação de senhores e escravos. Esta e outras questões referentes à escravidão no sertão baiano dos Tocós ainda carecem de estudos e aprofundamentos que infelizmente não puderam ser desenvolvidos neste trabalho, mas que podem se considerar para a realização de um próximo trabalho, como por exemplo, algumas informações a respeito da morte dos escravos, uma vez que no Livro de Óbitos da Freguesia do Coité entre 1856 e 1870 consta a morte de quarenta e dois escravos, inclusive entre eles sete africanos, e ainda alguns escravos sendo enterrados na Matriz, onde geralmente eram enterrados as pessoas mais ilustres de uma sociedades. Este é o caso de Ana, escrava de José Joaquim de Santana, morta em 01 de Março de 1857 e enterrada no Adro da Matriz, como também o de Joaquina, escrava de Antonio da Silva que faleceu em 08 de dezembro de 1864 e que foi enterrada na Varanda da Igreja. O caso de maior destaque é o de Maria que foi enterrada na Sagrado da Matriz, o lugar de maior privilégio em 31 de maio de 1869, e que não consta seu proprietário.

Outro caso é o de Venâncio, que foi sepultado gratuitamente no Sagrado em 24 de julho de 1868, constando apenas que mereceu por ter sido um “Voluntário da Pátria” e de ser natural da Freguesia D’Oliveira.

A morte é apenas um dos pontos a serem explorados, não apenas para os escravos, mas também para outros casos, como o de suspeitas de envenenamento ocorrido com Capitão Antonio Manuel Mâncio, como consta suspeita de sua filha e ainda o de Theodozia Maria, que morreu em 31 de dezembro de 1865 após ter tomado um remédio por engano dado por um filho natural do Prof. José Conrado. Sem deixar testamento, morreu solteira aos 90 anos e também foi enterrada no Sagrado da Matriz.

Além da morte, o casamento entre escravos também é um indicativo das condições regionais da escravidão. Não pretendo me adentrar nas questões relacionadas ao morrer nem aos casamentos especificamente de escravos, tive apenas a intenção de demonstrar a necessidade de estudos das relações sociais distanciadas da Capital e do Recôncavo, apontando elementos ainda inexplorados a respeito das relações escravistas na Bahia e no Brasil do século XIX.

2.1.3 Capitães a serviço da ordem

Uricoechea assinala que não foram apenas os senhores de terras e de escravos que usufruíram poder e prestígio na elaboração de valores sociais próprios no Brasil agrário, mas que outro grupo também marca “um estilo de vida peculiar e uma honra social característica, circundando seus membros com a distância social e a exclusividade típica dos grupos estamentais, os militares”.

Durante o período colonial, os militares estavam organizados em grupos distintos, entre eles a guarda costeira que tinha o objetivo primordial de defender o litoral brasileiro contra os corsários e invasões externas, o Exército Real que também era chamado de Tropa de Primeira Linha – ou apenas Tropa de Linha - sendo os membros assalariados, com a obrigação de dedicar seu tempo integral às atividades, o que os caracterizava profissionalmente.

As milícias eram consideradas a Segunda Linha, adequada às funções auxiliares e compostas por civis não-assalariados que dedicavam um tempo parcial a estas funções. ATerceira Linha era as Ordenanças, responsáveis pela esfera municipal, composta por civis que não se alistavam para as atividades regulares nem para milícias e que não recebiam qualquer pagamento.

Fundada em 1831, a Guarda Nacional demonstrava a fragilidade e a dificuldade de legitimação do poder central, em contrapartida, constituía-se em instrumento de poder de um grupo específico da esfera social. Esta força miliciana, geralmente controlada pelos senhoresde terras, era destinada à manutenção da ordem interna, possibilitando a aceitação e a imposição dos seus interesses na sociedade, agindo em situações adversas como a respeito das fronteiras da província, atuando no município, nas paróquias e curatos.

A guarda nacional estava subordinada aos Juízes de Paz, Criminais, Presidentes de Província e Ministro da Justiça e deveria ser composta por brasileiros de idade entre 21 a 60 anos e terem renda para serem eleitores.

A criação e a consolidação da Guarda Nacional está inserida no processo de formação do Estado-Nação, num momento de instabilidade social, cujo foco da repressão deveria estar concentrado no escravo. Heloisa Fernandes sugere que a Guarda Nacional deva ser visualizada “como um produto derivado do processo jurídico-político que desemboca na independência política e na realização da dominação agrária”.

O conceito de dominação, presente em Max Weber caracteriza o dominador enquantoum agente social que exerce seu poder seja no quadro administrativo ou na esfera pessoal, segundo o autor, dominação é a “probabilidade (normalmente) confiável de que haja uma ação dirigida especialmente à execução de disposições gerais e ordens concretas, por partede pessoas identificáveis com cuja obediência se pode contar” e também “a probabilidadede encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”, ou seja, é imprescindível despertar e cultivar a crença em sua legitimidade.

Em 1850, a Lei n. 602, de 19 de setembro trouxe a primeira reforma realizada na Guarda Nacional, estabelecendo que todos os oficiais tivessem patente e por ela pagassem, além do selo, a quantia equivalente a um mês de soldo, igual a dos oficiais de 1ª. linha, de igual posto. Segundo Denise Moura,

Cada vez mais sua personalidade se aristocratiza, insinuando feições e gestos de ‘milícia eleiçoeira’, voltando as costas para o povo (...) urdindo-se conchavos com autoridades, que passaram a nomear oficiais inferiores e subalternos.

Na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, na segunda metade do século XIX, eram geralmente os membros da Guarda Nacional, principalmente os capitães por serem o número maior de patentes - como demonstra a tabela abaixo - que serviam de intermediários como na entrega de cartas de alforria escritas nas residências senhoriais para serem devidamente registradas, sendo procuradores em negociações de compra e venda e padrinhos de casamento e batizados.

A tabela seguinte demonstra as Patentes da Guarda Nacional na Freguesia do Coité.

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A predominância da patente de Coronel era comum em todo o Império brasileiro, enquanto uma forma de poder político que ocorreu principalmente no meio rural. A patente de coronel, porém, não ficou restrita ao serviço militar passando a ser usado para distinguir pessoas com poder político em determinadas regiões, principalmente proprietários de terras com poderes para militares, ou pessoas com prestígio político.

O termo e as características do coronelismo são heranças da Guarda Nacional, uma vez que os chefes locais mais destacados ocupavam nela os postos mais elevados, no caso, de coronéis, seguidos de majores e capitães. A Guarda Nacional foi extinta logo após a proclamação da República, porém persistiu a denominação de “coronel” e a política do “coronelismo” na considerada Republica Velha.

A Guarda Nacional serviu enquanto uma instituição de origem política, voltada a para a manutenção e defesa da ordem das províncias e municípios numa época em que prevaleceram o paternalismo e a pessoalidade nos ajustes políticos.

2.1.4 Sistema eleitoral: alguns decidem por todos

Com a fundação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, legitimou-se um poder local com a formação da Mesa Paroquial da Freguesia e a escolha de Eleitores e Juiz de Paz como os representantes legais da comunidade.

O Capitão Antonio Manuel Mâncio, proprietário de terras e escravos foi eleito em 09 de Setembro de 1856, com 598 dos 603 votos, como o Primeiro Juiz de Paz, da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité. Porém, antes de eleito, exercia a função por indicação do Presidente da Província da Bahia Francisco Gonçalves Martins, também conhecido como Barão de São Lourenço, que esteve nesta função entre 1848 a 1852 e 1868 a 1871.

Após a sua morte do Capitão, em 20 de abril de 1856, seu genro o Alferes Antonio Apolinário da Mota assume a função de Juiz de Paz. A morte do Capitão Mancio não está bem esclarecida no registro de óbito. A causa aparece com uma suspeita que não foi apurada. O documento traz o seguinte: “moléstia de peito ou febres, ou envenenamento como afirmou sua filha Alexandrina, sem requerer corpo delito”.

A base do nosso estudo foi a legislação eleitoral de 1878 que alargou, de forma considerável o direito de voto. Até este ano, o direito ao voto era atribuído a todos os cidadãos portugueses e estrangeiros naturalizados com mais de 25 anos, salvo nalguns casos em que se admitiam eleitores com 21 anos, que comprovassem possuir, nas Assembléias Paroquiais, uma renda anual de cem mil reis ou possuir, para votação de deputados, uma renda de duzentos mil réis.

A lei eleitoral de 1878 permitiu o direito de voto aos cidadãos de idade igual ou superior a 21 anos e atribuiu algumas exigências: o censo, a prova de chefia de família e na capacidade de ler e escrever. Os efeitos desta lei podem ser analisados na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, através da Ata de eleições de 1881. Os eleitores faziam parte da elite dominante que ocupava, geralmente, as esferas do poder local. Eram eles

∗Prof. Florentino Pinto da Silva

∗Pe. Marcolino Francisco de Souza Madureira

∗José Calixto da Cunha

∗José Braz Lopes

∗Manoel Joaquim Ramos

∗Manoel Cedrais de Oliveira Júnior 

∗João Manoel Amâncio

∗Antonio Joaquim Ramos D’Almeida

∗Eduardo Francisco Ferreira

∗Raymundo Nonato de Couto

∗João Lopes da Silva

∗Jerônimo Carneiro da Mota

∗Tito Ferreira da Silva

∗Antonio Manoel Mancio

∗Victoriano Lopes da Silva

∗Victoriano Antonio D’Oliveira

∗Manoel Lopes da Silva

∗João Thirbúcio da Cunha

∗Manoel Joaquim D’Araujo

∗Luiz Pacomio de Souza

∗Manoel José da Cunha Júnior 

∗Antonio Felix de Araújo

∗Aprígio Leôncio da Cunha

∗Amâncio José D’Oliveira

∗Firmino José D’Oliveira

∗Gonçalo José Avelino

Alguns destes eleitores além de desempenharem outras atividades de destaque na Freguesia eram ligados por algum laço de parentesco com outras esferas de poder, constituindo um grupo dominante interligado por funções administrativas ou outros tipos de relações, a exemplo as relações pessoais. Eis alguns exemplos:

Além de eleitor,

José Braz Lopes era Capitão da Guarda Nacional, servindo ainda enquanto procurador de algumas pessoas na realização de compra e venda de terras e escravos.

Antonio Joaquim Ramos D’Almeida foi testemunha do matrimônio de José Braz Lopes e Delmira Bernardina do Espírito Santo, entre outros, realizado em 23 de janeiro de 1866, o que aponta a existência de laços de convivência amistosa.

Eduardo Francisco Ferreira era casado com Joanna Carollina de Jesus, filha de João José da Mota, grande possuidor de terras na Freguesia, além de ter sido testemunha de vários casamentos e prestar serviços como procurador de Amaro Ferreira dos Reiz desde 15 de dezembro de 1866.

João Manoel Amâncio, além de Capitão, era filho do também Capitão Antonio Manuel Mancio, o primeiro Juiz de Paz da Freguesia, eleitor da Freguesia e também testemunha de vários casamentos.

Raymundo Nonato de Couto foi o 1º Escrivão de Paz da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, em 1864. Quando se casou com Justina Maria de Jesus em 27 denovembro de 1866, teve Eduardo Francisco Ferreira com testemunha.

João Lopes da Silva, filho do Capitão Manoel Lopes da Silva, também eleitor, era possuidor de muitas terras e escravos. O Capitão foi testemunha do casamento de Tito Ferreira da Silva com Anna Joaquina de Oliveira realizado em 27 de fevereiro de 1862.

Jerônimo Carneiro da Mota, além de testemunha de muitos matrimônios, também realizou transações comerciais com procurador do Alferes Antonio Apolinário da Motta, de Antonio Ferreira da Silva e de Manoel Antonio de Oliveira.

Victoriano Antonio D’Oliveira recebeu Francisco e Joana no valor de 900$000(novecentos mil réis) e suas crias Raymundo e Gabriela no valor de 600$000 (seiscentos milréis), num total de 1:500$000 (um conto e quinhentos mil réis), como doação de Capitão Manoel Lopes da Silva e Philipa Lopes Maria de Jesus em 16 de novembro de 1877.

João Thirbúcio da Cunha era genro do eleitor e Tenente Manoel Joaquim Ramos e filho de Manoel Antonio de Oliveira. Irmão do Alferes Manoel Anaclito da Silva, de Antonio Manoel de Araújo e ainda de Vallentim, filho ilegítimo de seu pai com Quintiliana, escrava de José Antonio de Oliveira. Era ainda sobrinho do Capitão João Pereira da SilvSanta Roza, por este ser irmão de seu pai.

Florentino Pinto da Silva, além de eleitor, também era Professor desempenhando funções em outra esfera institucionalizada, a educacional.

Manoel José da Cunha Júnior trocou a Faz. Algodões no valor de 100$000 (cem milréis) pela Faz. Maxixe no mesmo valor de Luiz Pacomio de Souza, também eleitor e testemunhas de muitos casamentos realizados na Freguesia.

Manoel Joaquim D’Araujo foi testemunha de vários casamentos e ainda era compadre de José Joaquim de Santa Ana, possuidor de terras e escravos e sogro de Victoriano Lopes da Silva, também eleitor da Freguesia e teve Tito Ferreira da Silva e Manoel Joaquim de Araújo como testemunhas do seu matrimônio.

Aprígio Leôncio da Cunha era filho de Antonio Manuel da Cunha, lavrador e negociante como demonstra o Indicador Pessoal da Freguesia e teve como testemunhas do seu casamento com Redosina Tranquilina do Amor Divino o Capitão João Manoel Amâncio e o Alferes Antonio Apolinário da Mota.

Antonio Felix de Araújo teve José Braz Lopes e João Thirbucio da Cunha como testemunhas do seu matrimônio com Maria Bernardina do Espírito Santo em 17 de julho de 1871.

Manoel Joaquim Ramos era Tenente e, além de possuir terras e escravos, serviu como Procurador do Capitão Agostinho Valenti Figueredo e de Bernardo José da Cunha. Sua Filha Antonia Bernardina de Jesus era casada com José Nunes da Mota, filho de JoãoJosé da Mota, também sogro do eleitor Eduardo Francisco Ferreira.

José Calixto da Cunha serviu várias vezes como testemunha de matrimônios.

Pe. Marcolino Francisco de Souza Madureira, foi ordenado presbítero por Dom Manoel Joaquim da Silveira em 03 de janeiro de 1864 e nomeado enquanto vigário da Freguesia do Coité em 16 de julho de 1869, tomando posse em 17 de agosto de 1869. Nasceu em 03 de janeiro de 1833 e era natural de Jequiriçá (BA), vivendo por cem anos, até 09 demarço de 1933. Durante todo este período na Freguesia, desempenhou atividades que não estavam apenas relacionadas com as questões eclesiásticas, como a reforma e ampliação da Igreja Matriz que contou com o apoio de Coronel João Manoel Amâncio, a construção do cemitério com a capela em 12 de janeiro de 1876 e a instalação da devoção ao Sagrado Coração de Jesus em 1879, mas também exerceu cargos políticos fazendo parte do Conselho Municipal exercendo o cargo de Intendente Local.

Em abril de 1897, durante seu mandato de intendente municipal, recebeu um comunicado do governo estadual autorizando o tesouro “a entregar a essa Intendência aquantia de 3:700$000 (três contos e setecentos mil réis), relativos ao auxílio do Estado à instrução primária desse município, de acordo com o art. 13 da lei orgânica do ensino”. Em 03 de dezembro de 1923 foi nomeado Arcipreste.

Mesmo não se fazendo uma análise de toda população eleitoral, devido a falta de informações, podemos verificar que a “democratização” da vida política não revolucionou a estrutura geográfica de participação política cujo poder manteve controlado, ao longo do período considerado, a partir do espaço ocupado pelo grupo dominante local.

2.1.5 Cargos Administrativos : exercício e status

Os Tabeliães de Notas de Oficio, os Agentes dos Setores Educacionais e os Cargos Eclesiásticos desempenhavam outra esfera de poder. Eram os Tabeliães de Notas de Oficio os responsáveis pela confecção dos documentos oficiais de registros de compra e venda de imóveis e escravos - escrituras e procurações públicas, das alforrias e das atas eleitorais, testamentos públicos, formalizando juridicamente à vontade das partes em questão.

O 1º Escrivão de Paz de da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, foi Raymundo Nonato de Couto que assumiu a função em 1864, sendo também eleitor da Freguesia.

Os Setores Educacionais também eram instrumentos de disciplinarização e deformação de opiniões. Na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité apenas três professores foram encontrados: José Conrado de Araújo Marques, Florentino Pinto da Silva e D. Eulália Alexandrina da Rocha e Oliveira.

José Conrado de Araújo Marques, além de professor, também exerceu o cargo de Escrivão no ano de 1857, como consta no 1º Livro de Escrituras. Em 1865 foi procurador de José Antonio da Costa e Silva, possuidor de muitas fazendas e também entregou algumas alforrias, como a de Pedro, escravo do Tenente Antonio Manoel Mâncio, em 29 desetembro de 1866, a de Maria, escrava de Rita Maria de Jesus, em 05 de junho de 1867, a de José, escravo de Manoel Lopes da Silva e Fellipa Maria de Jesus, em 05 de junho 1867,e ainda assinou a alforria do escravo Pedro, propriedade do Capitão Manoel Lopes da Silva. Era casado com Joaquina Maria de Jesus e, sobre ela, foi encontrado apenas o seu registro de óbito datado em 02 de abri de 1871, aos 35 anos, morte esta causada por “moléstia interna” e enterrada com “encomenda solene”.

Florentino Pinto da Silva, também era eleitor e casou-se com Francelina, filha do Capitão Manoel Lopes da Silva, como demonstra o registro de casamento datado em 21 de janeiro de 1881.

Quanto a D. Eulália Alexandrina da Rocha e Oliveira, poucas informações existem, apenas duas procurações do ano de 1875. A primeira passada a Francisco Martins Alves para receber dinheiro na Tesouraria Provincial, e a segunda passada a seu marido Felinto Ferreira D’Oliveira e a seu cunhado Capitão João Ferreira D’Oliveira para vender terras na Freguesia da Igreja Nova, Termo de Alagoinhas.

Um documento da Câmara Municipal de Feira de Santana endereçado ao Vice-Presidente da Província da Bahia em 1860, constando a existência de

clamorosa privação em que se acham os habitantes das longínquas Freguesias de Nossa Senhora da Conceição do Coité e Riachão do jacuípe, das Aulas de Instrução Primária que foram antes da definição da Diretoria pelo regulamento organizado de 28 de dezembro de 1860

Em abril de 1897, o Padre Marculino Madureira reafirma a carência da instrução primária enviando outro documento pedindo auxílio às autoridades políticas de Feira deSantana.

Quanto aos cargos eclesiásticos, cabia a Igreja Católica o papel de salva guardar os bons hábitos e os bons costumes da sociedade, através das leis e ordens designadas por Deus.

Muitas vezes, o espaço de atuação do pároco não correspondia apenas ao seu lugar geográfico de pastoreio, sendo, muitas vezes, alargado por um processo de ascensão e desempenho que o instituía numa elite representativa e privilegiada.

O perfil dos clérigos na sociedade baiana no século XIX foi analisado por Cândido da Costa e Silva que identificou o clero reconhecido como “beletrista ajustado ao brilho do eruditismo dominante”.

O Estado era o responsável por controlar as atividades eclesiásticas até o final do século XIX, por meio do regime de padroado, cabendo ao Estado nomear e remunerar párocos e bispos e ainda conceder licença para construir igrejas. Porém, após a proclamação da República ocorreu a separação entre Igreja e Estado em 07 de janeiro de 1890, acabandocom o padroado garantindo a liberdade religiosa e reconhecendo o caráter leigo do Estado.

Em 1756 ocorreu construção da Capela local nas terras ofertadas por João Benevides, sendo instituída a devoção a Nossa Senhora da Conceição, e em 1763 foram os registrados os óbitos referentes a Capela de Nossa Senhora da Conceição do Coité nos registros da Freguesia de São João Batista da Água Fria, da qual era filial.

Cinco párocos que exerceram funções na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité foram identificados: Padre Manoel Santos Vieira, durante os anos de 1856 a 1864, Padre Francisco D’ São João Emiliano, entre os anos de 1864 a 1869. O Padre Severo Cuim Atuá, declarante de terras em 1858 e Padre Prudente, não sendo encontrados documentos a respeito de atividades desempenhas na Freguesia, nem eclesiástica, nem de outra natureza. Porém, o maior destaque está para o Padre Marculino Madureira que desempenhou além das funções paroquiais entre os anos de 1869 a 1933, outras funções políticas. Natural de Jequiriçá, Bahia, foi ordenado presbítero por Dom Manoel Joaquim da Silveira em 03 de janeiro de 1864 e nomeado como vigário de Coité em 16 de julho de 1869, tomando posse na Paróquia de Coité em 17 de agosto de 1869, e torna-se vigário colado em 27 de maio de 1871. Realizou a reforma e ampliação da igreja, construiu o cemitério com acapela em 12.01.1876 e instalou devoção do Sagrado Coração de Jesus em 1879. Assinou doação de Cyrillo, feita por Joaquim Gonçalves Gordiano a seu filho Manoel Gonçalves Gordiano, em 07 de Agosto de 1880. Era eleitor da paróquia, e em 03 de dezembro de 1923 foi nomeado Arcipreste. Foi um dos primeiros Intendentes Municipais, falecendo em 09 de Março de 1933 com mais de cem anos de idade.

2.1.6 Comércio, poder e controle de riquezas.

O contato com uma variada documentação referente à Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, constando a compra e venda de terras e escravos, cartas de alforrias, registros eclesiásticos de óbitos, batismos e casamentos, indicadores de registros de hipotecas, atas, inventários, trocas de imóveis, doações entre outros, permitiu a identificação de uma incidência de transações comerciais, envolvendo a mão-de-obra cativa e a propriedade agrária, justamente no período em que a Bahia, segundo Kátia Mattoso, “adormecia”,incitando questionamentos sobre a transição da mão-de-obra escrava para o trabalho livre na segunda metade do século XIX.

Alguns estudos realizados recentemente – leia-se a partir das décadas de 1980 e 1990 – apresentam indicativos que questionam teorias generalizantes, onde especificidades são aguçadas e demonstram a fragilidade de tais abordagens, indicando a necessidade de re-interpretações dos modelos explicativos que predominaram durante décadas. 

Neste sentido, encontram-se as pesquisas realizadas por Erivaldo Fagundes Neves sobre a estrutura fundiária de Igaporã, na região da Chapada Diamantina, no sertão baiano, desvendando um processo de “minifundiação” e testemunhando a importância desta temática para a compreensão do processo de formação e desenvolvimento do Estado Nacional, argumentando que “a História do Brasil não deve ser o somatório das histórias regionais”, mas que estes estudos indicam variáveis relevantes na compreensão da formação do Estado Nacional Brasileiro, despercebidas nas pretensões generalizantes.

“Da Sesmaria ao Minifúndio” de Erivaldo F. Neves demonstra também a existência de relações sócio-econômicas, centradas em atividades como a policultura que, em algumas regiões desenvolvia-se numa dinâmica própria além da agro-exportação, pondo em cena outros atores sociais que extrapolavam o binômio senhores/escravos.

Simultaneamente à ocupação do interior, desenvolveu-se uma “produção do auto-abastecimento capaz de gerar excedente para o mercado regional e interprovincial (...) promovendo acumulação interna e formação da pequena propriedade fundiária” que não se submetiam à grande lavoura monoprodutora destinada a fornecer produtos para o comércio europeu.

Discordando de Caio Prado Júnior que visualiza o auto-abastecimento como algo insignificante, argumentando que a grande lavoura era o grande nervo econômico, enquanto “a produção dos gêneros de consumo interno – a mandioca, o milho e o feijão, que são os principais – foi um apêndice dela, de expressão puramente subsidiária”, Erivaldo Neves não considera a policultura sinônimo de produção de subsistência, apesar de utilizar o termo “auto-abastecimento”. A policultura, segundo o autor, ultrapassou a produção destinada apenas para o consumo dos próprios produtores, gerando excedentes que dinamizaram “o segmento mercantil interno da economia colonial, sem controle direto da metrópole”, possibilitando a formação de uma estrutura sócio-econômica específica legitimada no poder privado local, que também se reproduzia com a utilização da mão-de-obra escrava.

João Luís Fragoso privilegiando a praça mercantil do Rio de Janeiro do final do século XVIII até os trinta primeiros anos do século subseqüente, percebeu a existência de uma acumulação mercantil que se revestia na hierarquia local, consolidando um grupo social especifico: a elite mercantil. O autor atenta ao processo de formação de um grupo de negociantes envolvido no comércio interno colonial, permitindo uma acumulação endógena que era investida na própria comunidade mercantil residente, sendo que “nem todo excedente precisava necessariamente retornar à produção”.

Considerando o desencadeamento do processo de formação das pequenas propriedades discutido por Erivaldo Fagundes Neves, percebemos nos Registros Eclesiásticosda Freguesia de Nossa Senhora de Conceição do Coité, que a partir de 1850, a propriedade da terra “circulava” em compra e vendas constantes, levando as grandes propriedades da região do semi-árido baiano a se reorganizarem em pequenos e médios proprietários. 

Na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité algumas pessoas com patentes da Guarda Nacional destacaram-se tanto nos papéis políticos desempenhados na freguesia como também nas transações comerciais realizadas. É o caso, por exemplo, do Tenente Antonio Manuel Mâncio, filho do Capitão Antônio Manoel Mâncio, assim como também do Capitão José Carneiro da Silva, e do Capitão Manoel Lopes da Silva, entre outros. 

Nos Registros Eclesiásticos de 1858 aparecem as Fazendas Mucambo no valor de 140$000 (cento e quarenta mil réis) em 25 de março de 1858 e Berimbau (VND) em 12 deabril de 1858 como pertencentes ao Tenente Antonio Manuel Mancio, porém outras fazendas suas, não declaradas surgem em outros registros, como é o caso das seguintes fazendas: a Paulista, que consta no registro de Antonio Manuel Mâncio em 25 de março de1858, com o valor de 4$406 (quatro mil e quatrocentos e seis mil réis).

A Fazenda Queimada do Curral aparece na mesma situação no registro de Manoel Lopes da Silva de 02 de março de 1858, com o valor de 16$000 (dezesseis mil réis), e aindacomo comunhão em três partes de terras no Registro de Antonio Ferreira de Oliveira em 07 de março de 1858, sem o valor declarado e no registro de Antonio Manuel Mancio em 25 demarço de 1858, com o valor de 4$406 (quatro mil e quatrocentos e seis mil réis). A Sacco dos Marco no valor 140$000 (cento e quarenta mil réis) no registro de Antonio Manuel Mancioem 25 de março de 1858.

A experiência do Capitão José Carneiro da Silva demonstrou que sua Fazenda Serra Vermelha foi citada em vários registros apesar de não ter sido registrada. Em 14 de abril de 1858 no registro de Lino da Costa Ferreira e em 20 de abril de 1858 nos registros de Mariados Santos, no de Anna Maria, e no de João Manoel da Costa.

Quanto ao Capitão Manoel Lopes da Silva, declarou no ano de 1858 as seguintes fazendas: Mucambo, em 02 de março de 1858 valendo 150$000 (cento e cinqüenta mil réis), Gangorra, em 02 de março de 1858 valendo 15$000 (quinze mil réis) e Queimada do Curral, em 02 de março de 1858 valendo 16$000 (dezesseis mil réis), porém a Fazenda Santa Roza que não foi declarada aparece em sete outros registros, como no de Manoel Ferreira da Silva feito em 12 de março de 1858, e ainda nos três registros feitos por Ritta Maria de Jesus e emoutros três declarados por Izabel Perpetua de Jesus, todos feitos na mesma data e sem valor declarado, e o interessante é que mesmo ele não tendo declarado a Fazenda Santa Roza, foi ele que assinou pelas duas senhoras em suas respectivas declarações.

Em 20 de abril de 1857 encontra-se uma compra da Faz. Vargem no valor de 200$000 (duzentos mil réis), sendo que esta propriedade, além de não ter sido declarada, também não constou como comunhão em nenhum outro registro. Existem ainda mais duas compras de terras, uma da Fazenda Santa Roza datada em 07 de junho de 1867 no valor de 240$000 (duzentos e quarenta mil réis) e outra da Fazenda Rio do Peixe no valor de 1:000$000 (um conto de réis), porém a data encontra-se ilegível.

Quanto aos escravos, Apollinaria aparece como sua propriedade empregada na lavoura, tendo ainda comprado José por 600$000 (seiscentos mil réis) em 22 de junho de 1859, e alforriado em 05 de junho de 1867 valendo 900$000 (novecentos mil réis), porém só tendo sido efetivada a alforria em 24 de março de 1870 após ter sido assinada pelo Prof. José Conrado de Araújo Marques.

Em 23 de maio de 1876, o Capitão Manoel Lopes vendeu Custodia, com 12 anos, cria de Apolinária da lavoura por 400$000 (quatrocentos mil réis), e ainda doou, em 16 denovembro de 1877, duas escravas com suas respectivas crias somando num total de 1:500$000 (um conto e quinhentos mil réis) a Victoriano Antonio D’Oliveira, também eleitor desta Freguesia, como já foi relatado anteriormente.

Consta ainda uma desistência de herança em 03 de fevereiro de 1868 após o falecimento de Clemente Jose Lopes e Maria de Tal, beneficiando José de Souza Pinto, porém não foi possível estabelecer qualquer tipo de relação envolvendo estas quatro pessoas.

A documentação estudada deixa perceptível que a partir da segunda metade do século XIX, ocorreu em Coité, um crescimento no número de transação comerciais de terras eescravos. Alguns documentos mostram que escravos eram comprados e pouco tempo depois,vendidos. No dia 01 de Maio de 1865, Thibúrcia, escrava de Joaquim Lopes Guimaraens foi comprada por Pedro Alexandrino dos Santos, sendo vendida à Carolina Maria Lopes no mesmo dia. O escravo Isidoro passou pelo mesmo processo no dia 13 de fevereiro de1867. Seu dono, João José da Motta vendeu-o ao Alferes José Félix dos Campos e este revendeu a José Nunes da Silva Carneiro.

Erivaldo Fagundes ressalta a intensificação de um comércio interprovincial de escravos da policultura de Caetité, no Alto Sertão da Serra Geral da Bahia, para a monocultura do café, na fronteira agrícola do oeste paulista no período de “crise” da escravidão e argumenta que “sempre se negociou cativos intra e inter-regionalmente, mas a mercancia interna da segunda metade do século XIX teve caráter específico, não se configurando ‘mero substituto’ do tráfico atlântico, mas sua continuação”.

Quanto aos escravos do Tenente Antonio Manoel Mancio podemos citar alguns que foram comercializados: Maria, Martinho, Simoa, Custodias, Pedro Anacleto, Benedito e Honório, este último havido por doação de sua tia Anna Joanna de Jesus pelos bons serviços prestados. O Tenente Antonio Manuel Mancio, além de eleitor da Paróquia, serviu como procurador de Simão Satyro Lopes Guimaraens para venda de terras e bainda entregou alforrias para serem registradas.

O Capitão João Manoel Amâncio também negociou escravos, como Herculana vendida no valor de 200$000 (duzentos mil réis) em 25 de março de 1868, anteriormente comprada a Bernardino José da Cunha, comprou Marcolina, cria de Francisca, com 09 para 10 anos de idade no valor de 500$000 (quinhentos mil réis) em 20 de março de 1871 e no mesmo dia a vendeu no valor de 550$000 (quinhentos e cinqüenta mil réis), comprou Francisca, cria de Maria, com 08 anos por 500$000 (quinhentos mil réis) em 04 de março de1872, comprou João com 32 anos de idade no valor de 1:200$000 (um conto e duzentos milréis) em 12 de novembro de 1874 e ainda comprou Sabino com 20 anos de idade no valor de 600$000 (seiscentos mil réis) em 24 de maio de 1875.

Após o falecimento da sua esposa Felismina Tranquilina do Amor Divino, o Capitão João Pereira Valladares, inventariou os bens do casal, contando com as fazendas e os escravos os bens chegaram em cerca de 26.420$000 (vinte e seis contos e quatrocentos e vinte mil réis) na primeira avaliação, restando ainda 11.973$003 (onze contos, novecentos e setenta e três mil e três réis) em créditos e dívidas a receber, o que somando agremia-se um total de 32.393$003 (trinta e dois contos, trezentos e noventa e três mil e três réis), restando o débito de 6.250$000 (seis contos e duzentos e cinqüenta mil réis), sem contar com as despesas do inventário. 

Na vila de Nossa Senhora da Conceição do Coité “formada em 1893 por seis ruas e uma praça”, como caracterizou Francisco Vianna, a pecuária desempenhava uma parcela importante tanto no comércio local, quanto na comercialização com alguns centros econômicos importantes do período. Segundo Francisco Vianna

Os habitantes do município criam gado vaccum, cavallar, suíno, lanígero, caprino e muar e lavram fumo, algodão, mandioca, batatas, etc. Sua principal industria é a fabricação de redes, pannos de algodão, fumo de rolo, e descaroçamento de algodão, com cujos productos commercia a villa com a capital, alagoinhas, Feira de Sant’Anna, Serrinha, Bomfim, Jacobina,Monte-Alegre, etc.

Além de terras e escravos, a ocupação do interior do estado da Bahia conta também com a criação de gado e com o desenvolvimento de atividades para o auto-abastecimento através da policultura.

Maria Isaura Pereira de Queiroz caracteriza a fortuna como “um dos meios principais de se fazer benefícios no Brasil” e que “as vias de acesso à fortuna foram principalmente a herança, o casamento e o comércio”. No próximo capítulo, o casamento e a família são os objetos de estudo que permitem perceber como relações sociais e de poder são construídas emantidas numa dada sociedade.

 

http://pt.scribd.com/doc/63533123/Dissertacao-Nossa-Senhora-da-Conceicao-do-Coite-%E2%80%93-Poder-e-Politica-no-Seculo-XIX

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