NEM TANTO AO MAR, NEM TANTO À TERRA: 
AGROPECUÁRIA, ESCRAVIDÃO E RIQUEZA EM 
FEIRA DE SANTANA, 1850-1888
Autor: LUIZ CLEBER MORAES FREIRE
OCUPAR PARA PRODUZIR
Ano de 1856. 
Dia 21 de junho.  Em pleno sertão da
Bahia, na fazenda Vitória, próxima à margem esquerda do rio do Peixe, afluente do
Jacuípe, distante cerca de sete léguas da Vila de Feira de Santana, o capitão
José Ferreira da Silva, prevendo a proximidade da sua morte, dita o seu
testamento. Nele, faz algumas declarações de praxe, como pedidos de missas pelas
almas de seus pais, parentes, padrinho, amigos e, inclusive, pelas de seus escravos
e mais algumas declarações referentes às dívidas. Como
testamenteiros, nomeia seus filhos José Ferreira Júnior, Manoel e Justino.
Decorridos três anos, mais precisamente no dia 29 de
setembro de 1859, o capitão, estando em casa de sua filha Joana Maria da Silva,
casada com o capitão Antônio Tavares da Silva Carneiro, na fazenda Desterro,
vem a falecer e, nesse mesmo ano, é iniciado o processo de
abertura do testamento e inventário de seus bens, que se desenrola até 1861.
A fazenda Desterro, juntamente com as fazendas Caiçara,
Minador, Dizimeiro, Alecrim, Matheus, Sossego, Lagoa Grande, Caraúna e Floresta, compreendia o que outrora era a vasta área
da fazenda Vitória, onde José Ferreira da Silva e sua falecida mulher, Ana Francisca
do Espírito Santo, viveu e criou seus nove filhos.
O inventário do capitão José Ferreira da Silva revela
que os seus bens estavam todos voltados para a produção agropecuária.  O monte-mor alcançou o valor   de 60:019$640
réis (sessenta contos, dezenove mil, seiscentos e quarenta   réis) e estava equilibradamente distribuído da
seguinte forma:  terras próprias e bens de
raiz, 27,3%; escravos, 19,5%; gados vacum, 
cavalar  e  muar, 
38,0%;  adiantamentos  a 
herdeiros,  13,0%;  e 
bens  diversos  como móveis, 
alfaias,  ferramentas  e 
produtos  da  colheita agrícola  como 
feijão,  milho,  mandioca 
e fumo, 2,2%. 
O capitão, um típico representante da classe dos senhores
escravistas da região, já no alto dos seus 88 anos de idade, não era mais
aquele grande fazendeiro que, em 1835, figurou como o segundo maior proprietário
de escravos do termo de Feira de Santana, possuindo 71 cativos, seguido por seu
irmão Antônio Ferreira da Silva, com 66 – como pode ser constatado através do
Apêndice A. A quantidade de escravos arrolados em seu inventário restringia-se
a 12 homens e 06 mulheres, nascidos todos no Brasil, ou seja, crioulos, descritos
em suas atividades como sendo “do serviço da enxada” ou “do serviço da roça” e um
ocupado no serviço de vaqueiro. 
Entre os seus bens, os gados corresponderam a 700 cabeças
de vacum, 24 cavalos e uma mula velha, distribuídos em suas fazendas localizadas
nos atuais municípiosde Tanquinho, Riachão do Jacuípe, Candeal e Conceição do
Coité. 
Escravos, gado, terra.  A posse desses três elementos de riqueza
conferia Status a quem os possuísse durante o período escravista
da nossa história.  Como muitos em igual condição
à sua, de criador de gado e proprietário de terras e escravos, o capitão José
Ferreira talvez tenha aspirado à obtenção de algum outro título que lhe
conferisse ainda mais prestígio.
Entretanto, o máximo que alcançou, ou que talvez a sua
condição econômica pôde lhe proporcionar, foi o de Capitão das Ordenanças da Freguesia
de São José das Itapororocas, com patente confirmada pelo Imperador Pedro I, em
1829. A concessão dessa patente possivelmente foi em reconhecimento pela sua participação
na luta pela expulsão dos portugueses da Bahia, em 1823. 
Através desse documento podemos nuançar a dinâmica da
produção que girava no entorno de uma propriedade rural da região de Feira de
Santana, durante o período escravista. 
Nela, a mão-de-obra escrava estava justificada através
do seu emprego na lavoura do tabaco e gêneros alimentícios, como o feijão, o
milho e a mandioca, além do cuidado com o gado.  A forte participação do gado bovino e cavalar
entre os seus bens (38%), evidencia a importância destes, principalmente por se
tratar de uma região que, desde os seus primórdios, foi voltada para a
pecuária.
O caso particular do capitão José Ferreira da Silva
encerra em si as grandes linhas deste trabalho: 
a produção agropecuária amparada pela mão-de-obra escrava e a riqueza dos
moradores da região de Feira de Santana em meados o século XIX. Para melhor
tratar esse universo, é necessário recuarmos um pouco no tempo a fim de
entendermos a importância das fazendas de gado para o povoamento da região e surgimento
da Vila de Feira de Santana, além, é claro, do comércio do gado como
responsável pela formação da riqueza dos fazendeiros e comerciantes da região.