A historiografia brasileira sobre a escravidão aponta a grande importância do trabalhoescravo para a economia da nação brasileira. No que tange ao sertão baiano este trabalho foide vital importância para as atividades desenvolvidas nas áreas agrícolas e de criação deanimais. Assim, o escravo integrava-se à vida rural e ao universo do sertanejo, que avaliemos,não deve ter sido nada fácil, devido as condições de secas prolongadas e até a pouca condiçãofinanceira de seus senhores.
Dos 74 escravos comercializados em Conceição do Coité no final do século XIX, a maioria aparece como do “serviço da lavoura”, num total de 25. Destes, os homens representavam 14 e as mulheres 11. A maioria dos homens estava em idade produtiva entre 14e 34 anos de idade. Foram encontradas também duas crianças, com idades de 05 e 07 anoscompradas para o serviço da lavoura. As mulheres declaradas como “da lavoura” estavamentre a idade de 12 a 41 anos. Contudo, o que se observa na maioria dos casos é que houve apredominância do termo “apto para todo serviço”.
Assim, é perceptível que os cativos desempenhavam diversas funções, principalmenteas mulheres que podiam trabalhar tanto na roça quanto nos serviços domésticos na casa deseus senhores. Este foi o caso da escrava Herculana, cor preta, solteira, natural da própria freguesia e declarada foi por seus senhores que esta era do “trabalho da lavoura” e “outrosserviços domésticos”.
Os escravos que trabalhavam na lavoura desenvolviam funções relacionadas ao plantio de gêneros de subsistência e também no preparo dos pastos para a criação de gado. Nas escrituras aparecem as funções “da lavoura”, do serviço doméstico e também o serviço de vaqueiro. O caso encontrado como serviço doméstico foi da escrava Patrícia, cor fula, com 19 anos de idade. O vaqueiro foi o escravo Torquato, de cor preta, que trabalhava na Fazenda Olho D‟Água pertencente ao Major José Martins d‟Almeida. Ainda sobre Coité, foram encontrados outros ofícios em estudos de inventários, como cozinheira (01), costureira (01) e serviço doméstico (01) (GORDIANO, 2011).
Sobre os ofícios dos escravos na Bahia, tem-se a contribuição de alguns trabalhos para o tema. Walter Fraga Filho também encontrou nos engenhos do Recôncavo uma predominância de escravos trabalhando na lavoura. Seus dados mostram que a lavoura concentrava cerca de 82,3% dos cativos. Geralmente este trabalho era rejeitado por libertos epessoas livres. Ele ainda apontou uma realidade que difere da de Coité, ou seja, a existênciade um número considerável de escravos especializados trabalhando como artesãos,domésticos, carreiros, vaqueiros e trabalhadores do mar (FRAGA FILHO, 2006). Tal constatação evidencia as características próprias de desenvolvimento dos locais pesquisados.
Ana Paula Lacerda encontrou em Serrinha dados semelhantes aos da Freguesia de Coité, mas também descobriu algumas diferenças, 11 escravos especializados, sendo 9 ferreiros, 1 carpinteiro, e 1 doméstico. Assim como em Coité, também em Serrinha havia uma predominância do serviço da lavoura (LACERDA, 2008).
Ainda nestes registros, alguns proprietários declararam que “habitualmente” trabalhavam na lavoura. Este foi o caso do Sr. José Calixto da Cunha, que ao efetivar acompra do pequeno Camilo, escravo com apenas cinco anos de idade, declarou que “fazia habitual profissão” em sua Fazenda Lameiro. A partir da análise deste e de outros casos semelhantes, é provável que escravos e senhores trabalhassem na lavoura lado a lado, o que pode sugerir a existência de uma relação mais estreita entre escravo e seu dono. Sobre este tipo de relação, Mattoso destaca que “as crianças pretas passeiam em total liberdade, participando das brincadeiras das crianças brancas e das carícias de todas as mulheres da casa” (MATTOSO, 2003, p. 128).
Todavia, não se pode tomar esta realidade onde cativo e senhor dividiam o mesmo espaço, como condições igualitárias; o escravo, não importa o quanto próximo do seu dono fosse, estaria sempre colocado numa condição de inferioridade diante do seu senhor. Um exemplo claro desta diferenciação foi apontada por Chalhoub retirado do conto Mariana de Machado de Assis, cuja personagem principal era uma “mulatinha” gentil, nascida e criada dentro da casa de sua dona, recebendo praticamente o mesmo afago e carinho que sua senhora depositava as suas filhas naturais, mas havia um abismo entre as livres e a cativa. Mariana não sentava à mesa nas refeições e nem podia aparecer na sala em ocasião de visitas. Assim, dápara perceber que havia limites entre os livres e os cativos e a própria sociedade escravistafazia questão de impor tais limitações (CHALHOUB, 1989).
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