Coité não dá celamim
Raso não tem fundura
Queimadas não nasce capim.
Possuo as Fazendas dos Tocós por hum título de sesmaria dado a minha
mãy Maria Guedes, ao padre Manoel Guedes Lobo, a Sebastiana de Brito, a
Anna Guedes em 14 de dezembro de 1612 pelo Governador D. Diogo de
Menezes. E, o dito Padre meu tio me fez doação do que lhe tocava em 9 de
setembro de 1651. E, o cap. Francisco Barboza de Paiva, marido da minha
thia Sebastiana de Brito, fizerão venda, a meo pay do que lhe pertencia na
dita datta em 16 de junho de 1652, as quais terras povoei, discubrindo-as
fazendo estradas, e pazes com os índios Cariocas, Orizes, Sapoyas, e
Carapaus descendo aldeias para as mesmas terras, com qual se segurarão as
fronteiras do Inhambupe e Natuba, que por algumas vezes tinhão infestado
os bárbaros rebeldes.
O autor cita ainda Felisbello Freire, que em História territorial do Brazil descreve outra estrada, ainda do século XVIII, que saía de Salvador para o norte, mencionando Serrinha como “lugar de muitos moradores e onde havia excellente rancho de algumas fazendas de gado”. Ainda nesse século, o Sertão dos Tocós já era bastante povoado, “com muitas fazendas próximas umas das outras e moradores ligados quase sempre por laços de parentesco”.
Antônio José de Araújo, em seu trabalho A família de Serrinha, afirma que em 1723, após 25 anos como administrador das terras do sítio Serrinha, Bernardo da Silva, descendente do português Sebastião da Silva, tabelião de Salvador e grande proprietário de terras, as comprou de Dona Joana Guedes de Brito e de seu marido, D. João de Mascarenhas, mudando-se logo em seguida com sua família para lá, por ser um local mais agradável e com maiores possibilidades de negócios, visto que na região havia um grande número de tropeiros e de boiadas. Logo construíram casas e uma capela em louvor a Senhora Santana, padroeira da cidade.
Outro trabalho que cabe citar é o de Tasso Franco, Serrinha: a colonização portuguesa numa cidade do sertão da Bahia, no qual o autor procura abordar as influências da colonização portuguesa em Serrinha e sua consolidação enquanto cidade moderna e desenvolvida. O autor divide a história de Serrinha em três etapas. A primeira delas teria acontecido de 1612 a 1891, quando ocorre a abertura de estradas de boiadas, surgindo a fazenda Serrinha como local de criação de gado e rancho para descanso de homens e animais.
Posteriormente, ocorreu a elevação da vila à condição de cidade em 1891e essa segunda etapa, de 1890 a 1969, é caracterizada pela “modernização”, possibilitada pela instalação da Rádio Difusora, além da instalação da energia elétrica 24 horas, água encanada e telefone. A última etapa, até 1995, acompanha uma descrição de acontecimentos que complementam a caracterização de Serrinha como uma cidade que segue rumo ao desenvolvimento e à modernidade. Dentre esses acontecimentos estão a instalação da Companhia Vale do Rio Doce no município de Teofilândia (ex-distrito de Serrinha), em 1984, e da Universidade Estadual da Bahia (UNEB) em 1989, além da consolidação do município como centro regional dos serviços públicos estaduais39. Com a separação em períodos muito longos, a obra se limita a traçar uma história evolutiva da cidade, sem conflitos e desentendimentos.
Portanto, na trajetória de Serrinha rumo ao desenvolvimento, não foi constatada a participação de indivíduos como os índios, que já habitavam a região, e que Bernardo da Silva procurou expulsar sem maiores esforços, além dos escravos, raramente citados, ou até mesmo da população pobre, como os trabalhadores livres, por exemplo.
A cidade, assim como toda a região dos Tocós, era vista como um local que tratava bem aos viajantes e que possuía boas pastagens para os animais. Tasso Franco, ao citar Antonil, observa a região como “lugar de excelentes moradores e onde havia excelente rancho e algumas fazendas de criação de gado”. Dessa forma, a história de Serrinha e da região dos Tocós esteve limitada a uma história tradicional, sem conflitos, o que é observado por Iara Nancy Rios em seu trabalho. Uma história da qual estariam excluídos os escravos, por exemplo, e suas formas de negociação e arranjos de vidas que estão além da simples passividade e conformidade frente à situação em que se encontravam.
A Freguesia da Sant´anna da Serrinha foi criada pela Lei de 1º de junho de 1838, interligada ao município de Purificação dos Campos (atual Irará), no qual também estavam anexos Coração de Maria, Coração do Jesus do Pedrão e Ouriçangas. Em 13 de Junho de 1876, a localidade foi elevada à categoria de Vila pela resolução provincial nº 1609 de 13 de Junho do mesmo ano. O atual município de Irará foi fundado em 1842 a partir do desmembramento com a Vila de São João Batista da Água Fria (atual Água Fria) tornando-se Arraial de Purificação dos Campos. A Vila foi elevada à condição de cidade através da lei
estadual de 08 de Agosto de 1895, com a denominação de Irará.
No interior, a institucionalização das freguesias permitiu a constituição de diversas funções políticas, tendo o juiz de paz e o eleitorado como representantes do poder local. Sem dúvida, as antigas freguesias interioranas permitiram a formação de diversas cidades na Bahia.
Em Memória do Estado da Bahia, obra editada em 1893, Serrinha é descrita dessa forma:
Situada num taboleiro, à margem da estrada de ferro do prolongamento(...)
com boa edificação de casas térreas geralmente caiadas e pintadas, muitas
envidraçadas, e seis sobrados formando diversas ruas asseiadas e calçadas, e
três praças das quaes é a mais importante a do dr. Manuel Victorino, que é
grande, arborisada e a noite iluminada por candieiros belgas (...) Seu
comércio é pequeno e relacionado com a capital e Alagoinhas (...) Os
terrenos do município são aproveitados pela creação em pequena escala
pela escassez d’água no verão quando se esgotam os açudes. Há água
potável em abundância em bons açudes, porém insuficientes para a lavoura,
que se ocupa com os cereaes, fumo e algodão para a exportação(...) O clima
é optimo. O terreno dá fumo de excellente qualidade, especialmente no
districto de Beritingas, que o exporta em grande quantidade e bom.
Também produz uvas e batatas de todas as qualidades, inclusive a inglesa.
Na citação acima, já em um período pouco posterior ao estudado, percebe-se a descrição de uma cidade que ainda sofria com os períodos de seca no verão, caracterizada pela pequena criação devido à falta de água em grande quantidade, cultivando, dentre outros produtos, cereais, fumo e algodão, principalmente para comercialização com Alagoinhas e Feira de Santana.
A vila de Serrinha recebeu foro de cidade em 30 de Agosto de 1891 por ato assinado pelo então governador José Gonçalves da Silva. Apesar de escrito num contexto posterior ao estudado neste trabalho, a citação acima aponta ainda características importantes a respeito do já município Serrinha. Além da presença da estrada de ferro, inaugurada em 1880, a descrição contida no ato de emancipação do município evidencia ruas calçadas, praças, além da existência do comércio e da policultura. A cidade também contava com três escolas, localizadas nos povoados de Lamarão, Manga e Pedra.
A atual cidade de Serrinha possui área atual de aproximadamente 568,405 Km2 e população aproximada de 71.383 habitantes, de acordo com dados do IBGE do ano de 2007. Está localizada na mesorregião do nordeste baiano e microrregião de Serrinha, a 173 Km de Salvador, limitando-se com os municípios de Conceição do Coité, Barrocas, Biritinga, Teofilândia, Lamarão, Ichu e Candeal. De acordo com registros da Junta Comercial do Estado da Bahia, o município possui 282 indústrias, ocupando o 27º lugar na posição geral do estado da Bahia e 1476 estabelecimentos comerciais. No setor de bens minerais, é produtor de argila, granito, manganês e ouro. Sua agricultura se expressa na produção de manga, caju e cajá. Na pecuária, destacam-se os rebanhos suínos e ovinos.
A historiografia baiana se caracterizou, até a década de 1990, por destinar seus estudos quase que exclusivamente para Salvador e Recôncavo, deixando de lado as demais regiões, como é o caso de Serrinha. Trabalhos como o de Iara Nancy Araújo Rios, que identifica a composição do grupo dominante em Conceição do Coité, no sertão dos Tocos (do qual Serrinha fazia parte), demonstra a existência de agentes sociais que ultrapassavam o binômio senhor-escravo. Merece também destaque Erivaldo Fagundes Neves que analisa a ocupação econômica e formação sócio-cultural do sudoeste da Bahia, região da Serra Geral, destacando a transformação dos grandes latifúndios em minifúndios, o desenvolvimento de uma economia baseada na criação animal associada à policultura e aspectos sociais, como as características do poder local e a existência da escravidão.
Luiz Viana Filho em obra de 1976, por exemplo, registrou a inexistência da escravidão no sertão da Bahia, principalmente em locais onde a criação de gado era a base da economia local. Tal argumento está associado à idéia de que esses proprietários, além de não serem capazes de controlar seus próprios escravos, não teriam como investir numa mão-de-obra tão cara em regiões de recursos financeiros precários, como é o caso do sertão46. Este trabalho comprova a incompatibilidade das afirmações de Luiz Viana, demonstrando não apenas a existência da escravidão numa região do sertão da Bahia, como também as estratégias utilizadas pelos escravos para a conquista de suas alforrias.
Fonte: CAMINHOS DA LIBERDADE: A ESCRAVIDÃO EM SERRINHA –
BAHIA (1868-1888), Ana Paula Carvalho Trabuco Lacerda
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