Esse blog é sobre a história da minha família, o meu objetivo é desvendar as origens dela através de um levantamento sistemático dos meus antepassados, locais onde nasceram e viveram e seus relacionamentos inter-familiares. Até agora sei que pertenço as seguintes famílias (nomes que por vezes são escritos de forma diferente): Ramos, Oliveira, Gordiano, Cedraz, Cunha, Carvalho, Araújo, Nunes, Almeida, Gonçalves, Senna, Sena, Sousa, Pinto, Silva, Carneiro, Ferreira, Santos, Lima, Correia, Mascarenhas, Pereira, Rodrigues, Calixto, Maya, Motta…


Alguns sobrenomes religiosos que foram usados por algumas das mulheres da minha família: Jesus, Espirito-Santo...


Caso alguém tenha alguma informação, fotos, documentos antigos relacionado a família é só entrar em contato comigo.


Além desse blog também montei uma árvore genealógica, mas essa só pode ser vista por pessoas que façam parte dela. Se você faz, e gostaria de ter acesso a ela, entre em contato comigo.

domingo, 10 de março de 2013

TERRA E PODER NO SERTÃO DOS TOCÓS

 

Autora: Iara Nancy Araújo Rios

A grande propriedade rural é um tema bastante discutido na Historiografia
Brasileira, principalmente relacionado com a História Econômica e com a História Agrária, inclusive porque esta é uma questão que intriga os estudiosos da História do Brasil e sua configuração fundiária, onde os problemas da terra ainda se apresentam como os de maior necessidade de resolução na busca pelo desenvolvimento do país.


Várias questões referentes à História Agrária enquanto campo de pesquisa foram levantadas por Maria Yedda Linhares, destacando a importância das novas abordagens relacionadas ao plano da Historia Regional, enfatizando três elementos de estudo: a terra – o meio ambiente natural; os homens – a população que ocupa e que age sobre a terra; e as técnicas – a forma e os meios utilizados pelas pessoas para atuarem na terra em que ocupam. Estes elementos variam de acordo com as condições socialmente determinadas e com períodos históricos e regiões específicas.


Pensar região é identificar as relações internas e externas de um espaço
delimitado e dos processos de interligações entre os múltiplos focos de poder. Ilmar Mattos define que “a região, assim, é uma construção que se efetua a partir da vida social dos homens, dos processos adaptativos e associativos que vivem”.


1. A terra e sua legitimação

O século XIX se caracteriza por transformações econômicas, políticas e sociais.
Além do processo de independência do Brasil e a conseqüente organização do Estado nacional, a historiografia demonstra um intenso processo de modificação das relações de trabalho a partir de 1850, data em que se consolida a Lei Eusébio de Queiroz, abolindo o tráfico de escravos africanos. Este ano traz um turbilhão de transformações como reformas políticas e econômicas referentes a Guarda Nacional, ao processo eleitoral e estabelece a resolução que determina a aquisição da propriedade pelo reconhecimento da
posse da terra, através da Lei de Terras, de 18 de setembro de 1850, que determinava o acesso a terra apenas pela compra e/ou aforamento.


A Resolução de 17 de julho de 1822, que anulou o regime das sesmarias, permitiu a legitimação de propriedades de muitos posseiros sem títulos, caracterizando o período compreendido entre 1822 e 1850 como a fase áurea do posseiro, terminologia largamente utilizada pela historiografia, por considerar que a posse tornou-se a forma mais freqüente de aquisição de domínio sobre as terras.


Para Lígia Osório Silva, a anulação do sistema de sesmarias confunde-se com o
processo de emancipação da colônia “a suspensão do regime de concessão de sesmarias quase que simultaneamente à declaração da independência, não pode ser vista como uma coincidência. As contradições entre o senhoriato rural da colônia e a metrópole em torno da questão da apropriação territorial contribuíram significativamente, também para a ruptura definitiva dos vínculos coloniais”.

A autora ressalta que a independência alimentou a predominância do latifúndio e que apenas quando as transformações na escravidão começaram a acontecer mudanças no Estado Imperial, através da Lei de Terras em 1850. Esta lei porém, não viria solucionar os problemas da grande propriedade, mas “tornou-se um instrumento de legalização de novos latifúndios”, dificultando o desenvolvimento das pequenas propriedade através de lacunas da própria lei que facilitava o seu não cumprimento.


Vera Ferlini chama a atenção para o fato de que a colonização não impediu a
formação da pequena propriedade, mas o seu desvinculamento da dinâmica implantada pela exportação, cultivando ainda que de maneira indireta, produtos para abastecer o mercado externo e, ao mesmo tempo, assegurando o acesso restrito a terra. A autora atenta para as barganhas e o jogo de poder nos quais estavam inseridos senhores de engenho, donos de grandes propriedades, os lavradores de cana, donos de pequenas propriedades e, ainda, grupos intermediários despercebidos pela polarização
senhor/escravo.
Lígia Osório Silva

demonstra que a Lei de Terras de 1850 foi mais um dos instrumentos para conciliar interesses de vários grupos sociais. Segundo a autora
“a lei foi elaborada como parte de um projeto global para a sociedade – a estratégia Saquarema de transição para o trabalho livre – mas a sua aplicação à sociedade foi o resultado de um processo no qual as diferentes camadas sociais interessadas entraram em conflito e encontraram os meios para acomodar o ordenamento jurídico aos seus interesses.”

A autora estabelece um paralelo entre a propriedade agrícola e a mão-de-obra cativa, demonstrando que “a necessidade de uma mudança na atitude do Estado Imperial em relação à propriedade da terra [que] somente impôs quando a escravidão começou a ser seriamente ameaçada”.


O jogo de interesses entrava, muitas vezes, em colisão, causando choques tanto entre os próprios proprietários, quanto entre proprietários e não-proprietários. Segundo Ana Maria Oliveira,

“os conflitos em torno da propriedade agrária foram freqüentes e, posteriormente, manobrados pelas práticas do coronelismo. Diante das restrições estabelecidas pela Lei de Terras para a ocupação das terras devolutas, prevaleceram os artifícios e a sagacidade dos interessados em obter e/ou ampliar os seus domínios agrários”.


A reordenação e organização do trabalho projetavam algumas mudanças no
perfil da sociedade brasileira e o “controle” que exercia sobre a unidade de produção permitia um domínio relativo sobre a mão-de-obra.


Trabalhando neste mesmo sentido - a associação necessária entre o problema da terra e o da escravidão -, José de Souza Martins defende que “num regime de terras livres, o trabalho tinha que ser cativado; num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativada”. O autor indica que a questão da
disponibilidade de terras deveria ser controlada para manter a equilíbrio de forças políticas e as relações de poder que se tornavam disponíveis para alguns e não para todos.

A mão-de-obra escrava e a propriedade agrícola reproduziam e garantiam a manutenção do sistema escravista, tendo o escravo não apenas enquanto força braçal e a terra além da unidade produtora; mas ambos também eram considerados renda capitalizada, havendo um ‘investimento’ que seria
recompensado nas transformações subseqüentes.


Além de terras e escravos, a ocupação do interior do Estado da Bahia contou também com a criação de gado e com o desenvolvimento de atividades para o abastecimento alimentar através da policultura.


2. As terras da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité no Sertão
dos Tocós


Nos roteiros das estradas de gado do sertão, escritos em 1731 pelo Mestre de Campo Joaquim Quaresma Delgado, a região dos Tocós é registrada no roteiro que ia de Salvador até Juazeiro. Esta estrada, descrita por Francisco Vianna, localiza o Sertão dos Tocós: “adiante de Cuyaté, tomava as direitas para Tiuba ou Itiuba, como se diz hoje, e Joazeiro, no rio S. Francisco, e as esquerda para Jacobina”.


“Eis o que era o sertão dos tocós em 1723. Uma porção de sítios de lavoura e criação, a pequena distância um dos outros” e que “separados por pequena distância entre si, se ligavam pela comunidade de interesses dos seus habitantes”.


Francisco Vianna descreve a Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, no Sertão dos Tocós da seguinte maneira:

“situada sobre um monte arenoso de pequena elevação, a sete léguas da serrinha e seis da villa do Riachão do Jacuípe, composta de casas térreas caiadas, formando seis ruas e uma praça, em que se acha a matriz de Nossa Senhora da Conceição, única egreja da villa, havendo apenas mais uma no arraial de valente”.


A fundação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité se deu pela resolução 539, de 09 de Maio de 1855. O artigo 2º apresenta a descrição do território:

“A nova Freguesia se limitará da maneira seguinte: Pelo sul, começará a
limitar coma Freguesia de Riachão de Jacuípe pelo rio Tocos, seguindo por este
abaixo à Fazenda Poços e desta ao rio Jacuípe, passando pelas Fazendas Poço de Cima, Getiranas, Almas e Lage de Dentro. Pelo norte e noroeste, se extremará coma Freguesia de Queimadas pelo rio Jacuípe, seguindo por este acima até Cachoeirinha, à margem do mesmo rio; d’ahi em linha recta até à Fazenda Baixa da Madeira na estrada do Piauhi; desta a Fazenda Morro do Lopes e Serra Branca; e desta a Fazenda Trindade e desta pela estrada direita à Fazenda Pedra Alta. Pelo leste, se limitará com Tucano pela Fazenda Capim, até o rio Poço Grande e por este acima até a Fazenda do mesmo nome. Pelo sueste, extremará com a Freguesia da Serrinha pela Fazenda Serra Vermelha e Salgada na estrada da Serrinha e d’ahi a se encontrar com o Riacho Pau-a-Pique e por este até o ponto divisório do rio Tocos”.


Neste mesmo ano, deu-se inicio ao registro das  declarações de terras da Freguesia do Coité em cumprimento a Lei de Terras de 1850, sendo finalizadas em 1858. Os registros eclesiásticos contêm oitenta e nove declarações num total de oitenta e quatro proprietários. Porém o cruzamento de informações demonstra que a quantidade de proprietários era bem maior, cerca de noventa e duas pessoas deixaram de prestar a declaração, aparecendo na comunhão das fazendas declaradas. Este é o caso, por exemplo, de João Gonçalves de Macedo, não declarante, mas que em sete registros aparece como possuidor de fazendas como Matto Grosso e Valente. Nesta mesma situação encontram-se, entre outros, José da Costa Ferreira, que em cinco registros conta como dono de terras na fazenda Salgada, José de Souza dono da fazenda Bom Sucesso relatado em quatro registros, Manoel José da Cunha com as fazendas Paulista, na Queimada do Curral e fazenda Berimbao, em seis registros, José Paolino de Oliveira, sendo citado em cinco registros como possuidor das fazendas Sacco do Marco e Vargem Grande e o Capitão José Carneiro da Silva, dono da fazenda Serra Vermelha, em cinco registros.


A data limite para legalização das terras foi o ano de 1854, ficando a cargo dos párocos a responsabilidade de fazer os registros e enviar os livros ao governo central, vigorando até os primeiros anos republicanos. As descrições das fazendas demonstram claramente a inoperância da Lei de Terras nas
próprias declarações, seja pelo silenciamento da origem da propriedade ou de outras informações, como pela delimitação imprecisa a fim de burlar a legislação e fugir dos impostos territoriais estabelecidos pós independência.


O registro do Pe. Severo Cuim Atuá exemplifica:


“Aos dez dias do mez de Março de mil oitocentos e cincoenta e oito, na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité o Padre Severo Cuim Atuá em cumprimento a Lei, e Regulamento para o registro das terras deo a registro as do seo possessório pela maneira seguinte. O Padre Severo Cuim Atuá vai dar registro de uma fazenda de terras próprias denominada Santa Luzia sita na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité, que possue em commum com outros donos que houve por compra a João Lopes Guimaraens, e sua mulher, que extrema com a fazenda do Umbuzeiro na Lagoa de Manoel Luiz, e com as mais harias confinantes, onde direito for.
Fazenda Santa Luzia nove de Março de mil oitocentos e cincoenta e oito. Assignado Padre Severo Cuim Atuá. O vigário Francisco Furtado de Mendonça”


Alguns documentos registram ainda, que escravos eram comprados e vendidos logo depois. No dia 01 de Maio de 1865, Thibúrcia, escrava de Joaquim Lopes Guimaraens foi comprada por Pedro Alexandrino dos Santos, sendo vendida a Carolina Maria Lopes no mesmo dia. O escravo Isidoro passou pelo mesmo processo no dia 13 de Fevereiro de 1867. Seu dono, João José da Motta vendeu-o ao Alferes José Félix dos Campos e este revendeu a José Nunes da Silva Carneiro.


Com a abolição em andamento, fazia-se necessário a interferência do Estado na esfera do trabalho gerando leis como forma de controlar a mão-de-obra e as tensões entre proprietários e escravos pela “a elaboração de uma nova autoconcepção de status e papéis sociais por parte dos negros e mestiços, a formação de novos ideais e padrões de comportamentos”

Assim, as fontes documentais referentes à Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité demonstram que a partir de 1850, a propriedade da terra “circulava” em compra e vendas dissolvendo as terras da região do semi-árido baiano em propriedades cada vez menores.


3. Terra e poder


A posse e a propriedade da terra eram consideradas desde o período colonial como um indicativo de poder, riqueza e domínio. Durante o Império e, principalmente, a partir da segunda metade do século XIX aumentou a busca pelo acesso a terra, uma vez que a “crise” da escravidão dava seus sinais.

Ser senhor de terras era também ser senhor de pessoas, seja dos trabalhadores escravos e, em alguns casos, de trabalhadores pobres livres. A produção de dependentes aumentava com os valores paternalistas de pai e marido,  alargada com a atuação na vida pública, subordinando por outros
mecanismos de poder outras tantas pessoas e ainda estabelecendo relações de fidelidade e obediência.


Através da documentação estudada, é possível visualizar a formação de um grupo sócioeconômico específico, legitimado no poder local, que também se reproduzia em atividades/funções sociais que extrapolavam a esfera estatal e permeavam decisões na esfera privada. Eram os capitães, tenentes e
alferes que entregavam as cartas de alforria escritas nas residências senhoriais para serem devidamente registradas, sem contar que nas eleições realizadas em 1881, para as Assembléias Legislativa e Provincial,
a maioria dos eleitores ou possuíam patentes ou eram filhos de capitães e tenentes.

O exercício da vida pública ou política indicava o estabelecimento de relações e também o desempenho de atividades que direcionavam a trajetória política da Freguesia. Nesta perspectiva, é possível identificar quatro poderes/papéis desempenhados por setores da sociedade coiteense:


Primeiro, o senhor de terras e de escravos detendo o controle/posse da unidade produtiva e da mão-de-obra. Ser proprietário de terras e escravos era dispor do controle da produção agrícola, direcionando o que se plantava, como se plantava, quanto se plantava. A produção estava condicionada ao domínio do trabalho escravo e, conseqüentemente, das atividades econômicas que funcionavam seguindo seus interesses.


Segundo, o negociante, através da compra e venda de terras e escravos, acumulava capitais via circulação das mercadorias, o que reiterava as próprias relações sociais do escravismo, onde o fazendeiro era geralmente capitão e negociante, realizando empreendimentos comerciais e mantendo relações
escravistas de produção. Comprar e vender eram atividades que reafirmavam as condições da dinâmica local, como é o caso de Coité, pois o capital adquirido nas transações era geralmente, investido em mais terras e escravos, mantendo os mesmos elementos de dominação social.


Terceiro, o eleitor da Freguesia que tinha o poder de participar das decisões políticas e um prestígio que afetavam não só a esfera local, mas todo território Imperial, estava comprometido com essas relações de poder. Ser eleitor significava estar condizente com as regras sociais que impunham condições restritas de participação política mantendo a grande maioria da população excluída. Não foi possível obter maiores informações sobre a população da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité em 1881, mas percebe-se que uma pequena minoria tinha o acesso a esse mecanismo de dominação, uma vez que em 1872 havia quase cinco mil habitantes, mas, em 1881 contava-se apenas vinte e sete eleitores.


Em quarto lugar, possuir uma patente da Guarda Nacional, significava ser detentor de um poder privado, transposto para a esfera pública, garantindo a manutenção da ordem e a reprodução das estruturas locais de poder, sendo que “os grupos dominantes, alternando-se na hegemonia de poder central,
mantiveram-se vigorosamente no controle das estruturas de mando regionais e principalmente locais”

As mudanças econômicas acontecem, o país industrializa-se, mas sob a capa da modernidade, o espírito mercantilista típico do período colonial continuava forte, alimentando o Estado de índole patrimonial, sustentado não só pelo estamento burocrático, como também pela mentalidade popular. A evolução política brasileira é peculiar; é isto que Faoro aponta, quando fala em formação do patronato político.


4. O poder pessoal: as disputas

A constituição das paróquias, freguesias e vilas constituíram o exercício da vida publica e a organização da administração civil. Além das funções religiosas, as freguesias possuíam também funções políticas e relativa autonomia local contribuindo para a formação de relações de dominação específicas, cuja base material era o controle sobre a terra.


A composição de papéis foi se estruturando ao longo do século XIX, através de
mecanismos de dominação públicos e privados que atuando, nas mais variadas dimensões, no processo de constituição da sociedade brasileira.


As relações estabelecidas pela sociedade patriarcal permitiam e daqueles
explorados pelo proprietário que o domínio de terras e pessoas não se limitasse ao domínio de terras e pessoas exploradas pelos proprietários, mas possibilitavam a criação de vínculos que extrapolavam a esfera econômica e consolidavam poderes e papeis sociais.


O apadrinhamento e o casamento eram elementos primordiais na conformação de grupos sociais. Estes ritos católicos eram considerados sagrados e consolidavam laços sociais, unindo, muitas vezes, senhores e outros dependentes, até escravos, servindo enquanto também de disfarce de poder e autoridade.


Os registros eclesiásticos de batismo e casamento, que constituem parte do acervo do Bispado de Feira de Santana, evidenciam que estes laços de afetividade restringiam os espaços de contestação dos poderes territoriais e legitimavam a dominação social.


Márcia Motta no seu trabalho sobre os conflitos vivenciados pela posse da terra no Brasil do século XIX aponta para a personificação do poder privado exercido pelos senhores de terras.


“o fato dos fazendeiros se autodenominarem senhores e possuidores de terras significava que eles tinham o domínio sobre a terra e sobre os homens que ali habitavam” e ainda “as fronteiras das fazendas dependiam do poder do fazendeiro, e nada tinham a ver com delimitações físicas precisas e
inquestionáveis”.


Na Freguesia do Coité, destacam-se algumas famílias com grande participação de negociações internas, podemos destacar três: a Mâncio (também chamada Manso ou Amâncio), a Cunha e a Mota (ou Motta).


Além de participar das transações comerciais, podemos constatar, também, que estas famílias trocavam relações matrimoniais. O Capitão Antonio Manuel Mancio, proprietário de terras e escravos e também Juiz de Paz da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité – antes de eleito, exercia a função por indicação do Presidente da Província da Bahia -, casou sua filha Alexandrina Maria de Jesus, com o Alferes Antonio Apolinário da Mota e um filho, o Tenente Antonio Manuel Mancio Júnior, era casado com Izabel Maria de Jesus a irmã do Alferes Antonio. Sua outra filha, Izabel Maria de Jesus casou com Antonio João da Cunha, filho de um proprietário renomado
na freguesia, José Antonio da Cunha. Após a morte do Capitão, em 20.04.1856, seu genro Antonio Apolinário da Mota assume as atividades.


Estes casamentos ainda revelam que o Tenente Antonio Manuel Mancio Júnior,
era primo de sua esposa Izabel Maria de Jesus; Alexandrina Maria de Jesus, também era prima do  Alferes Antonio Apolinário da Mota e Izabel Maria de Jesus e Antonio João da Cunha também eram primos. Foi possível se chegar a esta conclusão através de uma análise dos casamentos que apresentassem algum tipo de intervenção, e nos três casos, foi necessária a licença da Igreja para que o casamento se realizasse.


João Fragoso considera que as ligações familiares consolidam a formação de uma elite mercantil que se apropriava da acumulação gerada no mercado interno. Esta elite era um grupo restrito de mercadores que investia na reiteração das relações escravistas, sem rompimento e sem transformações significativas com os laços conservadores, uma estratégia de manter o poder e o status.


Ilmar Mattos define “política de casamentos”, para caracterizar as relações fortalecidas socialmente a tal ponto que nem as divisões partidárias foram fortes o suficiente para romper os laços criados pelos casamentos entre famílias proprietárias.

Para Smiles, o casamento é a união entre amor e as "qualidades do caráter". Ainda que em nenhum momento critique as práticas de casamentos "arranjados", ele dá a entender que é o amor a base
do casamento - e da família -, aliado ao respeito e à admiração.


“A verdadeira união deve ser fundada sobre as qualidades do carater [...] Mas ainda há alguma cousa mais do que o respeito e a estimação entre marido e mulher. Há um sentimento muito mais profundo, mais terno, que nunca pode existir entre homens uns com os outros, ou entre mulheres”

Assim, as famílias ampliaram as formas de solidariedade horizontal, ou seja, as relações entre as pessoas de um mesmo convívio social que podem ser visualizadas nas misericórdias, lojas maçônicas, sociedades políticas e guarda nacional e trazem uma característica peculiar de preservar monopólios.


Nos seus estudos sobre a vida familiar, para Kátia Mattoso permite “levantar o véu de uma explicação para melhor apropriar-se daquilo a que os historiadores costumam chamar ‘a realidade brasileira’” e defende que

“o comportamento social se entende todas as relações entre pessoas e outros grupos de indivíduos. Na Bahia, esses comportamentos afirmam-se na vida familiar, nas associações de tipo religioso e leigo e ainda através dos conflitos sociais. No âmbito desta análise impõe-se o estudo dos conflitos sociais”.


Fragoso, Ilmar, Smiles e Kátia Mattoso abordam as questões familiares em óticas específicas e complementares. Primeiro Fragoso demonstra as relações entre uniões familiares e atividades econômicas. Ilmar, por sua vez, identifica a atuação política e o domínio familiar, Smiles demonstra a predominância
dos sentimentos e amor e o respeito mútuo como ingrediente vital para o casamento  e  Mattoso ressalta o comportamento individual e a ligação com a sociedade.


As relações do âmbito familiar aparecem na Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Coité como centro de questões mais abrangentes da sociedade nas esferas econômicas e políticas, constando a dominação de membros de um mesmo núcleo familiar.

Fonte: http://www.uesb.br/anpuhba/artigos/anpuh_I/iara_nancy.pdf

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